Lição 2
– Não há outro evangelho
Texto bíblico: Gálatas 1.6-10
Texto áureo: Romanos 1.16
Neste
estudo, focalizaremos a brilhante defesa do apóstolo Paulo pela pureza do
evangelho de Cristo. O alvo em vista é o genuíno evangelho do Reino (Mt 4.23;
24.14), que foi transmitido aos apóstolos (At 1.2; 2Pe 3.2) e, por fim, a nós,
pela Palavra de Deus (1Pe 1.23-25). Será uma rica oportunidade de avaliar
nossas motivações e, sobretudo, para reafirmar um fé coerente com os princípios
bíblicos (Ef 2.20).
Análise do problema
Talvez
não haja palavra mais importante para a missão cristã do que evangelho (gr. euangelion, Boas-Novas). Paulo, certamente, pensava assim. “Em
contraste com as seis ocasiões (descontando os paralelos) em que euangelion é usado pelos escritores dos
Evangelhos, o termo é encontrado sessenta vezes, ao todo, nos escritos de
Paulo.”.
Em
geral, as epístolas paulinas contêm um voto de ação de graças após a saudação
inicial (1Co 1.4; Cl 1.3; Fp 1.3). Mas isso não ocorre em Gálatas. Antes,
imediata e abruptamente, Paulo diz-se perplexo
– o vocábulo grego pode significar uma gama de palavras como chocado, surpreso,
pasmo (Gl 1.6a).
A
perplexidade de Paulo foi causada pela distorção intencional do evangelho de
Cristo que ocorria na Galácia, por influência dos judaizantes (Gl 2.4a). Eles
questionavam o ensino apostólico sobre a graça e aliciavam os cristãos à
obediência da lei de Moisés (Gl 2.4b).
Fé
ou obras? Graça ou lei? Justiça de Deus ou justiça por méritos próprios? Essas
são questões cruciais, pois envolvem o princípio bíblico-doutrinário da
salvação.
Os
cristãos da Galácia enfrentavam um dilema: viver a liberdade cristã na esfera
da graça ou consentir com o domínio escravizador da lei. O problema parece
recorrente no Novo Testamento, pois a oposição judaizante ao apostolado de
Paulo foi intensa e incansável (2Co 11.3,4,13,22; 1Ts 2.15,16). Entretanto, a
reação paulina não deixou por menos. Seu argumento mostra-se direto e incisivo:
não se pode denominar “evangelho” uma mensagem de salvação que não
provenha do ato gracioso de Deus (Gl 1.7). No concílio de Jerusalém, a tese
de Paulo foi confirmada (At 15).
Os gálatas e nós, hoje
Em Gálatas, Paulo
ensina que todo e qualquer desvio intencional na mensagem do evangelho é
considerado uma perversão, uma descaracterização do evangelho (Gl 1.6-9).
Num
panorama mais amplo, o problema da igreja na Galácia não é tão diferente do que
vivemos, hoje, no que se refere à essência do termo evangelho. O momento atual da história da igreja revela-se, às
vezes, embaraçador. Entre outras barbaridades, presenciamos:
•
o uso da fé evangélica como moeda de troca no mercado consumidor cristão;
•
uma geração de líderes espirituais gananciosos e descomprometidos com a Palavra
de Deus;
•
uma insistente postura de autojustificação e de religiosidade ritual legalista,
pela maioria;
•
um cristianismo cada dia mais sensorial e menos racional.
Essas
falsas representações do evangelho dão pouco – ou nenhum – valor à origem do evangelho.
O fato de o evangelho proceder de Deus, de Cristo, do Espírito (Rm 1.1; 15.19;
1Ts 1.5) acrescenta à mensagem de salvação um elevado grau de exigência moral e
espiritual (Fp 1.27). Para os que pervertem o evangelho, entretanto, a
evangelização apresenta apenas a faceta adjetiva e utilitária. A sagacidade dos
filhos das trevas ao fazer uso do evangelho para anunciar apenas o que ele pode
oferecer – prosperidade, sucesso, bem-estar, tudo a serviço do homem – é de
fato algo sedutor (e perigoso!).
ð
Que exemplos podemos dar dessa descaracterização do
evangelho?
ð
Será que essa distorção de sentido continua
incomodando líderes cristãos, hoje?
A essência do evangelho
A
Associação Internacional de Fragrâncias estabelece quatro categorias para os
perfumes com base na concentração de suas essências. A fragrância menos
acentuada é a água de colônia – 3-5% de essência, duração máxima de 6h – e a
mais forte é o extrato de perfume – 15-40 %, duração máxima de 24h. Assim, aprendemos
que essência diz respeito à duração e intensidade.
O
modo como viveram e morreram os apóstolos, nos primeiros 100 anos do
cristianismo, revela seu apego à essência do evangelho. Eles exalavam o bom perfume de Cristo (2Co 2.15), o
que pode ser percebido pelos exemplos seguintes:
(1)
sua renúncia pessoal em prol do testemunho do
evangelho (1Ts 2.2; At 20.24a);
(2)
sua disposição incansável para enfrentar
açoites e prisões em razão da pregação do evangelho (Lc 21.12; At 5.18,29,40);
(3)
sua aceitação serena do destino implacável a
eles reservado – perseguição e martírio – por pregar o evangelho, em
cumprimento ao mandado de Deus (1Co 4.9;
Hb 11.36,37).
ð Qual tem
sido a "duração" do bom perfume de Cristo em nós?
ð Até que ponto pretendemos
ir para levar adiante a mensagem do evangelho?
A herança do evangelho
Os
apóstolos deixaram um legado para as demais gerações de discípulos, com o
seguinte teor:
•
um anúncio histórico da morte, ressurreição e exaltação de Jesus, demonstrada
como o cumprimento da profecia;
•
uma avaliação teológica da pessoa de Jesus como Senhor e Cristo igualmente;
•
um apelo ao arrependimento e ao recebimento do perdão de pecados.
Desse
tema evangélico não podem os cristãos abrir mão, sob o risco de falsificar a
Palavra de Deus (2Co 2.17).
Não há outro evangelho, senão o do
amor
A essência do evangelho compreende a proclamação do amor de Deus pelos
pecadores (Rm 5.8; Ef 2.4). Para oferecer, gratuitamente, a salvação, o Senhor
paga um altíssimo preço – a morte na cruz (Cl 2.13,14; 1Tm 2.6). Com esse
gesto, os corações humanos podem ser inundados pelo amor misericordioso e perdoador
de Deus (Rm 5.5; Ne 9.31; Tt 3.5-7), o resultado natural da manifestação de fé no
Salvador (Jo 5.24; 2Pe 1.1).
Se encarnar o evangelho, verdadeiramente, o cristão há de fazer do amor
o seu caminho para viver (Gl 5.22a; Rm 13.8; Ef 5.2), pois assim é que se permanece
em Cristo (Jo 15.9; 1Jo 2.24). Entre outras realidades, a mensagem do amor
produz:
• segurança
absoluta da efetiva salvação propiciada por Deus (Rm 8.39);
• doação e
renúncia, em prol do serviço a Cristo (2Co 2.4; 12.10; 2Tm 2.10);
• ambiente
eclesiástico cordial e respeitador, o que representa uma derrota para Satanás e
seus intentos (Rm 12.10; 2Co 2.10,11; 13.11);
•
submissão aos que, sob a orientação de Deus, presidem sobre a igreja com
dedicação e exemplo de fé (1Ts 5.13);
• condição
imprescindível para edificação espiritual, individual e coletiva,
principalmente pela guarda da Palavra de Deus (2Tm 1.7; 1Jo 2.5).
Não há outro evangelho, senão o da liberdade
Os gálatas haviam sido
libertados do cativeiro da corrupção do pecado (Rm 8.21; Jo 8.32) e não estavam
obrigados às leis cerimoniais do judaísmo, como a circuncisão (Gl
5.1). Por
isso, o teor dessa carta fornece o perfeito exemplo da liberdade cristã.
Paulo não hesita em apontar
aqueles que desejavam destruir a liberdade que Cristo tornou possível aos
cristãos da Galácia. Com zelo, ardor e fidelidade partidária, esses falsos irmãos causavam
alvoroço, comoção e agitação na comunidade cristã. Eram perigosos para a
existência da igreja e precisavam ser impedidos. Por isso, o apelo ao anátema – uma espécie de maldição (Gl
1.8b,9b) – com dois objetivos principais: uma ordem de banimento da comunidade
(exclusão) e uma salvaguarda contra ataques semelhantes no futuro.
Conselhos úteis
Deus nos chamou à liberdade
(Gl 5.3). Portanto,
não fiquemos a espreitar o comportamento dos demais cristãos, agindo como
juízes e, às vezes, algozes. Preocupemo-nos em corrigir nossos comportamentos
pecaminosos (Tg 5.16) e em disciplinar com amor e mansidão os fracos na fé (2Tm
2.25,26).
Libertos do cativeiro do
pecado, somos
o “bom” perfume de Cristo, um aroma agradável, que exala a justiça e a paz na sociedade (Jr 23.6). Mas
para
que a essência desse perfume dure, nossa pregação e testemunho devem ter Cristo
como centro (2Jo 1.9). Dessa forma, a pregação reveste-se do poder de Deus para
a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). Que o Senhor nos ajude nessa nobre
missão!
Lição 3
– O testemunho apostólico
Texto bíblico: Gálatas 1.11-24
Texto áureo: 2Timóteo 1.8
Neste
estudo, abordaremos um depoimento pessoal de Paulo, o apóstolo dos gentios (Ef 3.8; 1Tm 2.7). Interessa-nos, principalmente,
destacar a fonte, a natureza e os desdobramentos desse testemunho apostólico,
procurando, assim, estabelecer uma relação com a proclamação da igreja de
Cristo, hoje.
A fonte do testemunho apostólico
É
muito importante o destaque dado por Paulo à origem de seu apostolado, por dois
motivos:
(1)
primeiro, para esclarecer que ele não traz uma mensagem nova, mas,
simplesmente, passa a mensagem divina adiante. Ao cumprir sua missão, Paulo
tornou-se o principal intérprete das profecias messiânicas do Antigo Testamento
(1Tm 1.15).
(2)
segundo, para defender-se daqueles que procuravam denegrir sua imagem e seu
testemunho perante a igreja (Gl 5.11). Esses opositores induziam os gálatas ao
erro, movidos por inveja e sentimento faccioso (Gl 5.26). Portanto, ao apelar
para a revelação de Jesus Cristo como
a fonte do seu testemunho (Gl 1.1,12; 1Co 9.1), o grande mestre cristão desnuda
seus opositores. Nenhum deles havia passado pela experiência do encontro com o
Salvador e, por essa razão, não andam na verdade do evangelho (Gl 2.5).
O
fator que sobressai no apostolado de Paulo é a graça soberana de Deus por
intermédio de Cristo (Gl 1.12,15). A revelação de Jesus causou não apenas a
radical conversão de Paulo
– pelo abandono da atitude extremista farisaica (At 26.11; Fp 3.4-6) – mas
também sua consequente vocação para pregar aos gentios (At 9.15; Gl 1.16).
Nossa fonte de revelação, hoje
O
mesmo evangelho da livre graça que fora dado a Paulo, por revelação direta da parte de Jesus
Cristo,
encontra-se disponível à igreja, hoje.
Não
nos referimos com isso às revelações especiais que suscitam os apostolados
modernos, mas tão somente à revelação do mistério da fé, que é Cristo,
esperança da glória (Cl 1.26,27).
Portanto,
a fonte divina do testemunho da igreja ao mundo é a palavra da verdade, o evangelho da salvação (Ef 1.13). Por meio
das Boas-Novas, descortina-se o eterno propósito divino, pelo sangue de Cristo,
de oferecer ao mundo a redenção, segundo a
riqueza da sua graça (Ef 1.7-9).
O
desvendar do mistério do evangelho, pelo testemunho da pregação, apresenta as
implicações seguintes:
•
suscita, da parte da igreja, a vigilância em oração com o intuito de encorajar os
mensageiros diante da qualquer resistência (Ef 6.18,19; Cl 4.3);
•
exige a exposição profética das Sagradas Escrituras e uma resposta de fé da
parte dos ouvintes (Rm 16.25,26).
ð Como podemos intensificar nossa relação com a Bíblia Sagrada, fonte
inesgotável de vida e de salvação?
ð De que maneira podemos estimular a oração pelo pastor e demais
pregadores do evangelho na igreja?
A
natureza do testemunho apostólico
O
que podemos depreender da atividade apostólica em o Novo Testamento? Que
significados podem ser extraídos da expressão “apóstolo”?
Dentre
os sentidos do termo apóstolo,
destacam-se as definições seguintes:
(1) alguém
escolhido para levar uma mensagem;
(2) alguém
enviado por outrem com uma mensagem a transmitir;
(3) alguém
que recebeu uma comissão diretamente de Deus para representá-lo.
Em
Gálatas 1.17, Paulo fala dos primeiros apóstolos. Foram homens nomeados e
treinados por Jesus para dar continuidade à sua missão redentora (At
1.21.22). Entre os principais deveres apostólicos
estavam a pregação (At 4.33; 1Co 1.17), o ensino (2Pe 3.2; Mc 6.30) e a
administração da igreja
(At 4.34-37; 15.6,22; 16.4).
O
evento que desencadeia o testemunho apostólico é o encontro com o Senhor
ressurreto (1Co 15.6,7) – fato, inclusive, alegado por Paulo (1Co 15.8). A
ênfase dada a essa tarefa testemunhal leva Paulo a designar alguns de seus
cooperadores como apóstolos,
não como termo técnico, mas como “mensageiros
autorizados do evangelho” (2Co 8.23; Fp 2.25; Rm 16.7).
ð Quais os desdobramentos da ressurreição do Senhor Jesus para o
testemunho cristão? (Rm 1.4; 1Pe 1.3)
Nosso
testemunho, hoje
No Brasil, em anos recentes, o termo apóstolo vem sendo retomado por grupos neopentecostais de diferentes
denominações. Essas instituições alegam que seus apóstolos – e apóstolas –
pertencem à mesma linha sucessória que se desenvolveu nos primórdios da igreja
primitiva. Afirmam, também, que seu ministério é resgatar para a igreja a sua
verdadeira vocação e missão, a partir do que denominam “um genuíno mover de
Deus”.
Nós, batistas, não cremos nesse conceito caricato de uma
igreja que precisa ser resgatada. Ela é – e continuará sendo – coluna e esteio da verdade (1Tm 3.15b).
Seu resgate deu-se pelo sacrifício eficaz de Jesus, na cruz (Mc 10.45).
Também não cremos em sucessão apostólica, pois não foi
essa a ênfase de Jesus, ao indicar aqueles que dariam continuidade à sua
missão. Os apóstolos foram escolhidos para salvaguardar a mensagem do evangelho
autêntico. Neste anúncio, eles transmitiram, da parte de Deus e de seu Filho
Jesus, o testemunho que deu forma e dinâmica ao corpo de Cristo (1Co 15.22).
ð Qual tem sido a ênfase dos ministérios eclesiásticos em nossos dias?
Tem-se enfatizado a mensagem, ou o mensageiro? O conteúdo evangélico, ou
estratagemas humanos?
A confirmação do testemunho apostólico
Demonstrações
de poder e grandes sinais seguiram os atos dos apóstolos de Jesus. Esses
milagres incluíam a expulsão de demônios e a cura de enfermos, sempre
acompanhando a pregação do evangelho (At 2.43; 2Co12.12; Hb 2.3b,4). Dessa
forma, confirmava-se diante de todos a realidade da comissão divina.
Em
Gálatas, entretanto, o apostolado de Paulo ressalta outros dois fatores
comprobatórios da validade de seu testemunho, os quais passamos a considerar:
1) Sua nova vida em Cristo, confirmada
pelos demais cristãos
O
ponto de partida para testemunho do evangelho de Cristo é a cidade de
Jerusalém, que constituía a base do culto judaico e o berço da igreja cristã.
Nessa cidade, Paulo relata seu encontro com os apóstolos Pedro e Tiago, o irmão
do Senhor (Gl 1.18,19), e afirma que se deu a conhecer aos cristãos que ali viviam (Gl
1.22). Sua reputação como pregador do evangelho havia se espalhado rapidamente
e a igreja glorificava a Deus por esse redirecionamento (Gl 1.24).
Quando
“aprouve a Deus” (Gl 1.15a), o perseguidor passou a ser perseguido; o
destruidor de vidas passou a edificá-las (Gl 1.23). Todos reconheceram a
mudança na vida do mais voraz perseguidor da igreja, pois, em favor da salvação
pela graça, Paulo abriu mão de tudo por amor a Jesus Cristo (Fp 3.8). Essa é a
mais importante evidência na vida de um pregador.
2) As vidas transformadas, em
decorrência da sua pregação
Paulo
esperava que sua conversão fosse um paradigma para os cristãos da Galácia (Gl
4.12), pois a segunda evidência que confirma seu testemunho apostólico é a
transformação na vida dos ouvintes da mensagem cristã.
Dentre
os muito exemplos bíblicos, dois sobressaem:
• a vida
de Tito, companheiro de Paulo e seu filho na fé, que é descrito por ele como “o irmão cujo louvor no evangelho está espalhado por
todas as igrejas” (2 Co 8.18);
• os cristãos da igreja em Corinto. Paulo ressalta que os efeitos
da pregação ali demonstram, conclusivamente, a validade da mensagem que lhes
fora pregada (2Co 1.6).
ð O impacto deixado por Cristo em nossa vida é perceptível à
sociedade?
Conselhos úteis
A
igreja não reproduz apóstolos,
simplesmente permanece fiel à doutrina apostólica (At 2.42; Tt 1.9), a fim de
oferecer ao mundo o testemunho de Deus (At 4.33; 1Co 2.1). Assim é que os
discípulos de Jesus tornam-se embaixadores
de Cristo (2Co 5.20a) e, dessa forma, cumprem com autenticidade sua vocação
missionária (1Pe 2.9).
Não
devemos e não podemos nos envergonhar do testemunho do Senhor, apesar das
provas e tribulações deste mundo. Pelo contrário, estimulados pelo poder do
Espírito, lutemos em favor do evangelho e ofereçamos um modelo digno de ser
seguido, para a honra e glória do nosso Deus (2Tm 1.8).
Lição 4 – A universalidade do evangelho
Texto
bíblico: Gálatas 2.1-10
Texto
áureo: Mateus 24.14
As últimas instruções do Cristo ressurreto aos
discípulos, antes de ascender aos céus, sugere à missão cristã um projeto de
alcance ousado: da Judeia (centro judaico), passando por Samaria (território
hostil) até os confins da terra (mundo gentílico), todos deveriam ouvir o
evangelho e receber uma oportunidade de salvação (At 1.8).
Para a igreja cristã, entretanto, nascida num berço
judaico, esse não foi um caminho fácil de ser percorrido. A mentalidade
exclusivista dos judeus (At 10.28) e o apego à lei de Moisés (At 15.1) faziam
com que os primeiros cristãos corressem o risco de se tornarem um novo tipo de
judeus.
Atento a tudo isso, Deus dirigiu a história da igreja
para realizar a missão em toda a sua plenitude (Rm 2.11; 3.29). Assim, ele
garantiu a universalidade do evangelho, fazendo com que o nome de Jesus fosse
anunciado por todo o Império Romano. Estava montada a plataforma para a tarefa
evangelística mundial.
Quais as condições para a universalidade do evangelho?
Quais os principais resultados da primeira reunião apostolar? Esse caráter
global do evangelho significa que todos serão salvos?
O alcance mundial da proclamação do evangelho depende, entre
outros fatores, das seguintes condições:
1ª condição: pessoas
experientes na fé
As ruas eram menos perigosas há 30 anos, na cidade onde
cresci. Eu e as crianças do bairro nos reuníamos durante o horário das novelas,
para nos socializarmos. A minha predileção era o 3 x 3. As atividades eram
variadas, mas, ali, face a face, medíamos forças, debatíamos assuntos
cotidianos, competíamos. Quanto mais competentes eram os participantes, melhor
era o resultado final.
A lembrança remete ao 3 x 3 ocorrido em Jerusalém,
naquela conferência informal, mas, também, urgente para a evangelização do
mundo. De um lado, três dos apóstolos de Cristo: Pedro, Tiago e João. Do outro,
três notáveis evangelistas: Paulo, Barnabé e Tito.
Havia
catorze anos que Paulo cumpria sua missão de pregar o evangelho entre os
gentios. Em momento algum do seu ministério, até essa ocasião, ele foi
convocado ou chamado a explicar-se perante os doze apóstolos. Paulo tomou a
iniciativa do encontro, em obediência à orientação de Deus (Gl 2.2).
Paulo
descreve os apóstolos que o antecederam como “colunas” da igreja (Gl 2.9a),
pessoas de autoridade, principalmente, no campo da exposição do evangelho da
salvação (At 8.4). Apesar disso, Paulo não considerava sua compreensão do
evangelho em nada inferior à dos primeiros apóstolos (Gl 2.6).
Nessa
conferência amigável, Paulo foi acompanhado por Barnabé e Tito, dois de seus
mais importantes colaboradores.
Barnabé
(sobrenome que significa “filho da consolação”) é um indivíduo de valor no
campo intelectual e que possuía boa formação bíblica (At 13.1-3). Ele chamava-se
José, era da descendência da tribo de Levi e natural da ilha de Chipre. Lucas
retrata-o como alguém despojado (At 4.36,37), com visão espiritual aguçada (At
9.27) e grandemente respeitado no círculo cristão de Jerusalém (At 11.22-24).
Tito,
certamente, um cristão gentílico (Gl 2.3), é um dos filhos na fé de Paulo e seu
grande colaborador (Tt 1.4; 2Co 8.23). Para aquela reunião, Tito representava a
prova viva do poder do evangelho entre os não judeus.
Os primeiros apóstolos reconheceram a autoridade
apostolar de Paulo e Barnabé para expor o evangelho, ao oferecer-lhes a destra da comunhão (Gl 2.9b). Desse
modo, tornaram-se instrumentais à universalidade do evangelho.
Hoje, a igreja do Deus vivo continua convocada para
realizar a tarefa missionária em escala mundial. Sua nobre condição de coluna e firmeza da verdade (1Tm 3.15) revela,
entre outros, os procedimentos seguintes:
● a conversão a Cristo é o ponto de partida da missão (Jo
15.16; Tg 1.18);
● a Palavra de Deus compõe o instrumento preciso para a
tarefa missionária (At 12.24; 13.48; 15.35);
● à igreja compete respeitar e honrar aqueles que, em
caráter ministerial, dedicam-se com amor à palavra e ao ensino do evangelho (1Tm
5.17).
ð
O caráter
apoteótico dos shows evangélicos mostra-se muito atraente aos cristãos. O mesmo
não se pode dizer, pelo menos quantitativamente, dos cultos doutrinários e dos
estudos bíblicos dominicais na EBD. O que isso revela em relação às futuras
gerações cristãs?
2ª condição: uma
estratégia missionária
Da
reunião de Paulo com os apóstolos, resultou um consenso: “o mesmo evangelho deveria ser pregado tanto aos judeus como aos
gentios, baseado nas mesmas condições, ainda que houvesse diferentes esferas de
serviço”.
Esses termos refletem o que denominamos universalidade
do evangelho.
Alguns
acontecimentos dirigidos por Deus permitiram a concordância mútua, dentre os quais,
destacamos:
1) O
encontro entre Pedro e o gentio Cornélio. Nessa ocasião, por meio de uma visão,
Deus revelou ao apóstolo que devia quebrar a barreira étnica e anunciar o
evangelho (At 10);
2) A
aprovação pelos demais apóstolos da atitude de Pedro em relação a Cornélio, que
os levou a glorificar a Deus por sua graça concedida aos gentios (At 11.1,18);
3) O
surgimento da primeira igreja gentílica, em Antioquia da Síria, onde os
discípulos foram pela primeira vez chamados “cristãos”. Para averiguar a
mistura religiosa entre judeus e gentios, a igreja de Jerusalém enviou Barnabé,
que muito se alegrou (At 11.19-26);
4) A
reunião de Barnabé e Paulo em Antioquia. Durante um ano inteiro trabalharam
ali, fortalecendo a fé daqueles irmãos e, assim, fazendo daquela igreja um
centro avançado de apoio missionário (At 13.1-3).
É o
intento divino salvar todo aquele que crê, sem distinção de etnia, cor ou
origem (Rm 10.12). Para tal, Deus agiu e ainda age estratégica e eficazmente
(Gl 2.8; 1Ts 2.3b).
A igreja precisa acatar as orientações do Senhor e lançar
mão das oportunidades que ele oferece. Em nível local, algumas estratégias
usadas por Deus para capacitar seus filhos são as conferências, os congressos e
os encontros de caráter missionário. Em escala mundial, a soma de forças pelas
igrejas, em prol de uma Junta Missionária, possibilita o melhor avanço do
cristianismo.
ð
O
despreparo na Palavra de Deus afeta diretamente a missão evangelística. Como
mudar esse quadro negativo?
3ª condição: persistência diante das dificuldades de
percurso
É comum o mesmo
perfume apresentar cheiros diferentes quando aplicado em pessoas
diferentes. Isso acontece porque os odores corporais são únicos e resultam de
vários fatores, como a alimentação, as características pessoais, os lipídios e
ácidos graxos que a pele exala.
Essa verdade aplica-se ao “bom perfume de Cristo”, que revela
em todo o mundo a declaração de intenções para salvar, da parte de Deus (1Tm
2.4). A fragrância do conhecimento de Deus reage diferentemente de pessoa para
pessoa. Ainda que o evangelho manifeste em todo o mundo essa fragrância, muitos
optam por não acolher essa proposta amorosa e, por isso, não podem ser salvos
(2Ts 2.10).
Aquele que se propõe evangelizar não pode frustrar-se a
cada ato de resistência. Isso representará perda de foco e, com o tempo, trará para
o pregador um desânimo perigoso. Para isso, é preciso uma postura humilde, a
atitude de quem está apto para entender a honra de ser o instrumento das
insondáveis riquezas de Cristo, pela pregação (Ef 3.8).
ð
O que
podemos depreender da leitura de 1Coríntios 3.6,7, no que se refere à eficácia
da pregação do evangelho?
Conselhos úteis
O fato de o evangelho dirigir-se a todas as pessoas não
significa que todas as pessoas serão salvas. A razão disso é simples: o pecado
também tem alcance universal (Rm 3.9-12). Nem todos os pecadores reagem
conforme o esperado – arrependimento e fé – trazendo para si a condenação (1Co
1.18; 2Co 4.3). Mas isso em nada diminui a necessidade da pregação do
evangelho, a tempo e fora de tempo (Cl 4.5).
Graças
a Deus homens e mulheres atenderam à convocação apostólica no passado e, por
isso, empreendem suas energias e esforços para evangelizar o mundo. Esses
valorosos cristãos nos legaram o evangelho da salvação. Que eles nos sirvam
como o melhor exemplo de conduta diante do desafio da evangelização mundial.
Que eles nos inspirem a sermos, também, “colunas” da igreja do nosso Senhor
Jesus Cristo.
Lição 5
– Conflitos sociais no cristianismo
Texto
bíblico: Gálatas 2.11-14
Texto áureo:
Os anos que se seguiram à ressurreição de Jesus não foram
nada fáceis para os cristãos. Foi um período de pressões políticas, religiosas
e culturais provenientes de três diferentes fontes: o governo romano, o
paganismo idólatra dos gregos e, principalmente, o judaísmo.
O incidente entre Paulo e Pedro, referido em Gálatas
2.11-14 – que é o objeto de estudo desta lição –, representa apenas um
microcosmo da crise judaico-cristã que transparece no Novo Testamento.
Ainda assim, essa narrativa oferece-nos a rica oportunidade de entender como
costumes e tradições interferem nas nossas relações com as demais pessoas e
credos. Também, possibilita-nos estabelecer princípios de conduta no todo
coerentes com a natureza do evangelho.
Análise do
incidente
O contexto bíblico – A não ser o breve relato de Gálatas 2.11-14, Paulo não
fornece explicações mais detalhadas da sua repreensão severa ao comportamento
de Pedro (Gl 2.11). Provavelmente, o incidente ocorreu no período em que Paulo
esteve com Barnabé na cidade de Antioquia, a fim de ajudar no desenvolvimento
da igreja cristã que ali se formou (At 11-13). Pode-se afirmar também que essa
ocorrência é anterior ao Concílio de Jerusalém (At 15), pois a única ocasião em
que Barnabé esteve em companhia de Paulo foi durante a primeira viagem
missionária.
O local – Antioquia da Síria foi o berço do cristianismo entre os
não judeus e o ponto de partida do trabalho missionário de Paulo. Em razão de
seus muitos pregadores e mestres, era o fórum do cristianismo gentílico no
mundo (At 13.1). Quando Pedro veio até essa cidade, encontrou uma atmosfera
completamente diferente daquela que vivia em Jerusalém.
O acontecido – Os judeus da dispersão, como os que viviam em
Antioquia, não viviam tão isolados de seus vizinhos gentios. Pedro e os seus
compatriotas (incluído, nesse rol, o próprio Barnabé) foram bem recebidos pelos
cristãos gentios daquela cidade e, inclusive, compartilharam com eles do
momento das refeições, o qual era sagrado para os judeus.
Tudo ia bem até a chegada de judeus palestinos a
Antioquia. Esses viam com muita reserva essa proximidade com os gentios e
esforçavam-se muito para manter sua herança religiosa intacta. Intimidado pela
presença deles, Pedro passou a evitar o contato com os gentios e deixou de
frequentar as suas refeições (Gl 2.12).
A resposta paulina e
a mensagem aos gálatas– Esse relato serve
ao propósito pedagógico de Paulo, que enfrentava problema semelhante na região
da Galácia.
Paulo esteve nos dois lados desse conflito. Antes, como um
orgulhoso fariseu, ele foi movido por um intenso ódio aos cristãos e pelo fanatismo
religioso. Por isso, entendia bem o que estava acontecendo (Fp 3.5,6). Mas, agora,
em razão de sua condição como missionário e mestre em Antioquia, o apóstolo dos
gentios defendia a verdade do evangelho, que corria o perigo de ser desvirtuada
(Gl 1.7). Para o bem da obra de Deus entre os Gálatas, portanto, a única alternativa
de Paulo era uma tomada de posição grave contra Pedro, a fim de repreendê-lo. E
ele o fez.
ð Temos nos mostrado atentos aos desvios,
intencionais ou não, do evangelho?
ð Estamos preparados para responder com prontidão
a essas perversões doutrinárias?
Pedro e os
conflitos de ordem psicológica e social
Muitas barreiras psicológicas e sociais estão na base dos
atos de intolerância religiosa dos judeus e da vergonha que Pedro sentiu por
trair sua essência judaica, como nos exemplos a seguir:
1) Suas limitações pessoais, seus preconceitos em relação
aos gentios (Ef 3.6) e os sentimentos confusos em relação à revelação de Deus;
2) Sua suscetibilidade à influência da ideologia e do
tradicionalismo judaico, que ensinava a impureza dos gentios e exigia o
separatismo (At 10.28);
3) A supervalorização dos costumes do grupo ao qual
pertenciam – o judaísmo palestino – e dos seus estereótipos – por exemplo, a
circuncisão – em detrimento da sua nova condição em Cristo (At 11.2,3).
Pedro mostrou-se preocupado, pois temia que a comunicação
com os gentios viesse a “denegrir” sua imagem pública perante os judeus;
receou, igualmente, as repercussões daquele contato perante os demais
apóstolos, em Jerusalém. Tais temores eram sustentados por uma falsa noção de superioridade
étnica dos judeus em relação aos gentios.
ð Quantas vezes nos vemos supervalorizando nossos
credos e tradições em detrimento de outros irmãos em Cristo? Piadas
“evangélicas”, discussões acaloradas que em nada edificam e tantas outras
atitudes preconceituosas nada mais fazem do que trazer vergonha ao evangelho...
Tensões sociais no
cristianismo, hoje
O comportamento de muitos crentes, hoje, guarda
semelhança com a atitude de Pedro. Quando isso ocorre, deixamos de agir do modo
digno do evangelho diante da sociedade (Cl 1.9,10).
Podemos pensar em dois exemplos que evidenciam um
comportamento incoerente da parte dos cristãos, hoje:
1) Inúmeras demonstrações de imaturidade nos relacionamentos eclesiásticos, num encaixe perfeito
da descrição da igreja de Corinto(1Co 3.2). O tempo de conversão deveria,
naturalmente, produzir maturidade na vida cristã (Hb 5.12). Mas, infelizmente,
não é isso que presenciamos no dia a dia da igreja: briguinhas por cargos e
posições; pessoas aborrecidas com as outras, mágoas de anos a fio,
relacionamentos rompidos; birras pastorais e contra o pastor, são exemplos que
evidenciam imaturidade.
2) cristãos que se deixam contaminar pela mentalidade
atual do “ter” em detrimento do “ser”. Isso agrava as tensões sociais na igreja,
pelo seu caráter discriminatório. Além disso, acentua as desigualdades entre as
pessoas. Ainda que não seja pecado possuir riquezas, colocá-las acima de Deus e
do próximo certamente o é (1Tm 6.9,17,18; Ec 5.10).
O aumento das divisões e dos conflitos nas igrejas locais
parece indicar, em muitos casos, a persistência de duas atitudes equivocadas,
as quais são:
● de um lado, ocorre, na igreja, uma sobrecarga de tradições e comportamentos estereotipados, que são
transmitidos de geração em geração, sobre os crentes. Nesse sentido,
cristão é sinônimo de alguém submisso e obediente ao sistema religioso e, por
isso, útil.
O problema dessa atitude, entretanto, é que, em muitas
vezes, fidelidade a um corpo de tradições não significa, necessariamente,
fidelidade a Cristo. Somente com liberdade de pensamento e de expressão pode
ocorrer o discernimento espiritual, sem o qual não poderemos desmascarar falsos
mestres, falsos pastores e falsas igrejas (2Pe 3.15-18).
● do outro lado da moeda, muitos adotam um estilo ultraliberal de oposição gratuita
a toda e qualquer tentativa de conformação religiosa, seja de ordem
eclesiástica local ou denominacional.
Falta, nesses casos, temor a Deus (Sl 5.7). A igreja não nos
pertence. É propriedade de Cristo. Não é uma construção de pedras e tijolos,
mas sim uma edificação composta pelos salvos, pedras vivas (1Pe 2.5). A
conformação com Cristo é, sem sombra de dúvida, conformação com a igreja, que é
o seu corpo (1Tm 6.3).
ð Estamos preparados para responder com
confiança, diante do mundo, a razão da esperança que há em nós?
ð Por que os traços da identidade cristã, tão
visíveis na descrição do Novo Testamento, parecem diluídos neste século XXI?
Conselhos
úteis
A atitude de Pedro nos faz perceber o quanto a cultura
religiosa pode ser perigosa. A de Paulo, o quão intensa é a transformação do
ser humano quando do encontro vívido com o Redentor...
A polêmica entre Paulo e Pedro revela o quanto pode ser
angustiante, doentia e terrível a vida religiosa à margem do evangelho de
Cristo. Somente o Senhor Jesus pode restaurar as relações humanas e fazer os
homens, verdadeiramente, fraternos e iguais.
Mas, para que isso ocorra, em muitos momentos,
precisaremos da coragem de Paulo. Assim, poderemos lutar contra as nossas
limitações de percepção, contra os maus sentimentos e contra toda essa herança
cultural-religiosa marcada pela discriminação, pela intolerância, pela
sustentação de conflitos – marcas terríveis de uma geração longe de Deus.
Lição 6 – A justificação pela fé
Texto bíblico: Gálatas 2.15-21
Texto
áureo:
“Sonho com o
dia em que a justiça correrá como água e a retidão como um caudaloso rio” –
afirmou o pastor batista Martin Luther King Jr., durante um discurso, para mais de
200.000 pessoas aglomeradas em torno do Memorial Lincoln, na capital dos
Estados Unidos, em 1963. No seu famoso discurso (I have a dream – Eu tenho um sonho), Luther King afirmou,
simbolicamente, que a sociedade americana passou aos negros estadunidenses um
“cheque sem fundos”, pois as promessas da Magna Constituição americana não se
cumpriam na vida deles.
Nesta lição,
abordamos também uma luta pela obtenção da justiça. Mas, nos escritos de Paulo,
tal conceito extrapola o campo dos direitos civis e da justiça político-social,
para tornar-se uma questão espiritual: quais
as condições para que o pecador possa, diante de Deus, ser declarado inocente
de seus pecados? E mais: quem
vai emitir o “cheque” da justiça em uma sociedade impenitente e governada pelo
pecado?
O erro judaico
Em
Gálatas, Paulo refere-se a si mesmo e a Pedro como “judeus
por natureza” (Gl 2.15a), isto é, descendentes de Abraão. Tal origem étnica
sempre foi algo louvável para Paulo (Fp 3.5; At 26.4,5).
Paulo
sempre preservou os costumes de sua nação, a fim de manter aberta a porta da
evangelização aos seus patrícios (1Co 9.20a). Na carta aos
Romanos, inclusive, chegou a defender a relevância nacional de Israel, por meio
do qual Deus concedeu ao mundo a adoção, a glória, as alianças, a
legislação, o culto e suas promessas (Rm 9.4).
Entretanto, no
que se refere à justiça exigida por Deus, os escritos de Paulo seguem na
contramão do judaísmo. Paulo denomina os judeus como aqueles que vivem sob o regime da lei (1Co 9.20b),
isto é, pessoas que acreditam poder alcançar a retidão por seus próprios
méritos, pela obediência estrita da lei de Moisés. De acordo com esses
critérios, o caminho para a justiça constitui-se de inúmeros credos, ritos,
tradições e leis. Esse é o conceito conhecido como autojustificação, uma forma de religião na qual o homem é o emissor
do “cheque”. O capital dessa transação são as boas obras.
Esse jeito
legalista de ser produziu, entre outros comportamentos reprováveis, as ações
seguintes:
● um tribunal de execução e de perseguição, vitimando
Cristo, os profetas e os apóstolos (1Ts 2.15);
● uma atitude de oposição ao
avanço do evangelho entre os não judeus (1Ts 2.16);
● uma religião hipócrita, que
negligenciava os preceitos mais importantes da lei (Mt 23.23b).
O erro judaico,
por incrível que pareça, foi viver uma religião vazia de Deus. Quanto mais se
apegavam ao legalismo e às suas exigências mais afastavam-se do Senhor (Mt
5.20; Rm 10.2,3). O problema desse modo judaico de ver o mundo é que ele tem
dois pesos e duas medidas. Os judeus não se enxergavam como pecadores.
Reservavam esse estereótipo aos demais. Segundo essa perspectiva, os gentios
não tinham a mínima chance de justiça, estando fora do círculo judaico, pois
eram “pecadores” por definição (Gl 2.15b; cf. Rm 1.18-32).
ð Você
consegue identificar, hoje, expressões religiosas que mantêm como seu objetivo
principal a guarda de práticas, ritos e costumes religiosos?
ð Em
nome do “orgulho” pela própria condição religiosa, que tipos de comportamentos
discriminatórios presenciamos na vida eclesiástica, hoje?
De onde procede o conceito paulino de justificação?
Paulo foi buscar no universo forense o conceito de
justificação. Esse termo “denota um ato
judicial de administrar a lei – neste caso, ao proferir um veredicto de absolvição,
excluindo, assim, toda a possibilidade de condenação”.
Nessa ordem de pensamento, ficam estabelecidos os seguintes papéis:
1) Deus é o único juiz (Jr 11.20; Tg 4.12). Ninguém deixará
de prestar contas a Deus, no grande dia do juízo (At 17.31a; Rm 14.10-12).
2) No banco dos réus está o homem. Criado por Deus reto e
moralmente bom (Ec 7.29; Gn 1.31), por ter pecado, caiu do estado de justiça
para um estado de iniquidade (Rm 5.12);
3) Cristo é o defensor apontado por Deus (1Jo 2.1). Suas
ações estabelecem o padrão de justiça pelo qual o juízo se dará (1Jo 2.2; At
17.31b; Rm 2.5,16).
De acordo com esse sentido jurídico, a justificação é um ato
declarativo. Nele, Deus absolve o pecador. Em consequência desse ato, o pecador
tem a pena capital pelo pecado suspensa (At 13.38) e o favor divino restaurado (Rm
5.21).
ð
É
possível identificar os efeitos da absolvição do pecador por Deus?
O homem, o
pecado e impossibilidade de autojustificação
Caso verídico: Certa vez, numa fila bancária, uma mulher resolveu
iniciar uma conversa comigo sobre as razões que a levavam a não participar de
uma igreja. Críticas a denominações “a”, “b” e “c” deixavam-me levemente
irritado, mas eu ouvia, sem retrucar. Num dado momento, aproveitando a pausa da
mulher, para respirar, interrompi: “A
senhora identifica bem as falhas humanas geradas pelo pecado no comportamento
religioso evangélico” – exclamei, perguntando-lhe, em seguida: “A senhora consegue identificar, também, em
sua própria vida, algum pecado?”. A mulher permaneceu calada, pensativa,
por algum tempo. Depois, para minha surpresa, ela disse: “Não.”
Essa história encontra as seguintes similaridades com o
comportamento legalista da maioria das pessoas, hoje:
● primeiro: Muitos,
como essa mulher, não têm a consciência de estarem debaixo da escravidão do
pecado (Rm 3.9b; 1Jo 1.8) e, por essa razão, de serem transgressores da lei
(1Jo 3.4), condenáveis perante Deus, o justo juiz.
● outra
observação interessante: o olhar da mulher voltava-se para a igreja – que não é
meio de salvação! – em vez de voltar-se para o Salvador da igreja. Pura
transferência: é mais fácil julgar os outros do que olhar para si mesma (Mt
7.1-5).
Nenhuma atitude de autojustificação é aceita por Deus
(Rm 3.10-12). “Ir para a igreja tal”, “agir conforme a igreja tal determina”,
“pagar” o preço da justificação por meio de ofertas e sacrifícios, em muitos
casos, são apenas tentativas desesperadas e insuficientes para resolver o
problema do pecado.
ð
Usando
a linguagem figurada, poderíamos dizer que a autojustificação é o mesmo que
tratar uma ferida com um curativo infeccionado? Por quê?
Deus, a graça e a realidade da justificação
No
plano da justificação do pecador, graça e fé têm papel preponderante.
O
pecado e sua consequência – a morte – projetam uma realidade sombria para a
humanidade. É a sombra do juízo divino. Para evitar esse destino trágico, Deus
escolheu, por sua livre graça, redimir os pecados dos homens e declará-los retos – inocentes, justificados. Baseou sua sentença no ato redentor de Jesus. Pela cruz, a graça manifestou-se
sobre todos os homens para a justificação que dá vida
(Rm 5.18).
O
fator fé representa a única possibilidade real de enfrentar e vencer o pecado
interior. Para tanto, devem ser observadas duas situações:
1)
A fé não é a base da justificação, mas sua condição
(Gl 2.16). Se fosse a base, a fé seria algo meritório, apenas um ato de soberba
(Hc 2.4) . Uma bela imagem desse gesto de fé é o estender as mãos vazias para
serem preenchidas pela dádiva divina.
2)
A fé também não é o preço da justificação, mas o meio de nos aproximarmos dela (Rm 3.22).
Assim, na
analogia com o discurso de Luther King, a justificação
é uma forma de religião, na qual Deus é o emissor de um “cheque” com fundos
infinitos. O capital dessa transação é o sangue de Cristo, derramado na cruz (Ap
22.14). A fé representa o gesto de compensar a ordem de pagamento.
ð A
reprodução da tendência legalista, dentro das comunidades cristãs, imprime nos
crentes um grande temor em relação à salvação. Que resposta a doutrina da
justificação oferece aos receosos?
Conselhos úteis
A
vida de Paulo é um exemplo vivo de como a misericórdia e a graça de Deus podem
transformar um homem (Gl 1.15b). Para ele, “estar crucificado
com Cristo” (Gl 2.20; 6.14) era suficiente para apaziguar a dor e o
sentimento de culpa causados pelo pecado. Sua confiança na eficácia da obra de
Cristo abriu-lhe as portas para um mundo novo, de adoração e serviço.
Perguntemo-nos: “O velho homem está crucificado em nossa vida?
Nosso testemunho é um estandarte da fé em Cristo? Amamos na mesma
proporção que o Filho de Deus, até à renúncia própria?”
Bem,
nunca é tarde para começar. Afinal, o sonho de justiça e liberdade de Martin
Luther King Jr. é real para nós, os salvos por Cristo. Fomos libertos do poder
do pecado. Somos livres e, nessa condição podemos servir a Deus, com gratidão.
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